segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Num Canto, Uma Prosa...
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Depois em outro workshop no interior do Rio de Janeiro veio falar comigo uma aluna, Ivone, que nos seus trinta e cinco anos exibia dedos das mãos e dos pés entortados por um processo de artrose cavalar. Pois na hora da escolha de poemas ela se aproximou de mim particularmente e disse que havia me visto dizer um poema na tv e que deu vontade de saber um poema de cor para experimentar da mesma sensação que ela experimentara ao me ver, só que no papel de dizedora. Ivone, no entanto, revelou não saber que poema escolher, uma vez que seu dilema era a triste doença que aleijava sua juventude a passos largos. Ela então me perguntou o que eu faria se estivesse em seu lugar. Respondi que a achava muito corajosa e que se eu tivesse os dedos tortos, a princípio tentaria escondê-los por vergonha. Mas que ela, ao contrário, trazia as unhas muito bem feitas, pintadas de vermelho e os tortos dedos cheios de anéis, e que além disso, maior defeito físico era o medo, que paralisava pessoas não portadoras de nenhum defeito físico e que, no entanto, não estavam ali, bravamente como ela. Sugeri o “Choro à Capela” e Ivone o abraçou com unhas e dentes e no segundo dia do curso, voluntariamente, foi a primeira a apresentá-lo, memorizado, emocionando a todos, toda linda de dentro dum vestido colante de oncinha. Ivone casou logo depois com um dos que a viram dizer esse poema nesse dia.
Há dois anos fui convidada a jantar com meu grande amigo ator, autor de telenovelas e diretor de teatro, Miguel Falabella. Na ocasião ele me falava que havia perdido o pai que tanto amava e por isso, obviamente estava muito triste. Lembrei-me então de um outro poema de Adélia chamado “Leitura”:

“Era um quintal ensombrado, murado alto de pedras.
As macieiras tinham maçãs temporãs, a casca vermelha
de escuríssimo vinho, o gosto caprichado das coisas
fora do seu tempo desejadas.
Ao longo do muro eram talhas de barro.
Eu comia maçãs, bebia a melhor água, sabendo
que lá fora o mundo havia parado de calor.
Depois encontrei meu pai, que me fez festa
e não estava doente e nem tinha morrido, por isso ria,
os lábios de novo e a cara circulados de sangue,
caçava o que fazer pra gastar sua alegria:
onde está meu formão, minha vara de pescar,
cadê minha binga, meu vidro de café?
Eu sempre sonho que uma coisa gera,
nunca nada está morto.
O que não parece vivo, aduba.
O que parece estático, espera.”

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